Dados da Arpen-SP apontam que 33 pessoas da região registraram solicitação no ano passado. A retificação de nome e gênero é realizada nos Cartórios de Registro Civil, sem a necessidade de decisão judicial.
Os cartórios de registros civis do Alto Tietê registraram um aumento de 26,9% nas solicitações de mudança de nome e gênero em 2022, na comparação com 2021. Segundo dados da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), 33 pessoas solicitaram o serviço no ano passado, enquanto no ano anterior foram 26 pedidos.
A retificação de nome e gênero (ou somente nome, assim como apenas o gênero) é regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Provimento n° 73, de 2018, e é realizada nos Cartórios de Registro Civil de todo o Brasil, sem a necessidade de decisão judicial. Além de evitar situações constrangedoras, este mecanismo legal garante que pessoas transexuais sejam tratadas de acordo com a identidade autopercebida.
A cidade da região com mais solicitações registradas no ano passado foi Itaquaquecetuba, com 10. Entre janeiro e abril de 2023, foram registrados 26 pedidos, sendo a metade apenas em Mogi das Cruzes.
No ano passado, cartórios de Arujá, Ferraz de Vasconcelos e Salesópolis registraram os primeiros pedidos de retificação de nome e gênero. Por outro lado, nenhuma retificação foi registrada em Biritiba-Mirim, Guararema, Poá e Salesópolis.
Para isso, é necessário apresentar a seguinte documentação:
- I – certidão de nascimento atualizada;
- II – certidão de casamento atualizada, se for o caso;
- III – cópia do registro geral de identidade (RG);
- IV – cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso;
- V – cópia do passaporte brasileiro, se for o caso;
- VI – cópia do cadastro de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda;
- VII – cópia do título de eleitor;
- IX – cópia de carteira de identidade social, se for o caso;
- X – comprovante de endereço;
- XI – certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
- XII – certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
- XIII – certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);
- XIV – certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos;
- XV – certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos;
- XVI – certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos;
- XVII – certidão da Justiça Militar, se for o caso.
De acordo com a Arpen, no estado de São Paulo o procedimento custa, em média, R$ 174,39 mais impostos (que incluem o ISS).
Avanços legais
A advogada Heloisa Helena Cidrin Gama Alves, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB de São Paulo, aponta que a resolução que garantiu a retificação de nome e gênero de forma mais ágil representa uma das vitórias mais importantes do movimento LGBTQIA+, especificamente para o movimento de travestis e transexuais.
“A garantia do nome e do gênero, de acordo com a identidade de gênero da pessoa, nada mais é do que uma garantia ao direito à dignidade humana, que é um princípio constitucional”, disse a advogada.
Em relação ao aumento de retificações na região, Heloisa atribui a alguns fatores, como a desburocratização e ações especiais que arcam com os custos da realização do procedimento.
“Acho que, no começo, havia uma certa desconfiança se não haveria um preconceito, uma resistência dos cartórios em fazerem essas retificações. A partir do momento que muitas pessoas foram conseguindo fazer sua retificação, houve aí uma procura maior desse processo por parte de outras pessoas travestis e transexuais. E um outro fator que eu acho que também colaborou pra isso é que, como muitas pessoas travestis e transexuais, em razão de sua vulnerabilidade financeira, não conseguem arcar com os custos para a emissão das certidões e pra entrar com a retificação no cartório, com os emolumentos de cartório, muitas ONGs, muitas empresas acabaram fazendo mutirões ou programas pra custear esses custos. E isso acabou propiciando também esse aumento do número de pedidos”.
Além da desburocratização da retificação de nome e gênero, o advogado Thiago Silveira Quinelato, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB de Mogi das Cruzes, também destaca a lei nº 14.382 de 2022, que alterou a Lei nº 6.015 de 1973, a Lei de Registros Públicos, e deu nova redação ao artigo 56.
“Essa alteração retirou o prazo de um ano anteriormente exigido para que a pessoa que completou 18 anos possa modificar seu nome, sem necessidade de decisão judicial. Em virtude dessa lei o procedimento foi facilitado. Ao atingir a maioridade (capacidade civil absoluta) basta o interessado comparecer ao cartório competente e requerer a alteração de seu nome, sem qualquer justificativa anteriormente exigida. Todas essas mudanças legislativas foram extremamente importantes para assegurar o reconhecimento jurídico e a efetivação dos direitos humanos da população LGBT+”, disse o advogado.
Para que o procedimento de retificação de nome e gênero seja efetuado, é necessário o pagamento de taxa, que custa cerca de 15% do valor atual do salário mínimo. De acordo com a Arpen-SP, não há isenção para a realização do serviço. Heloisa acredita que, apesar da desburocratização, a questão financeira ainda é um dos obstáculos que dificultam um maior número de solicitações das retificações.
“Os custos para emissão das certidões necessárias para a retificação de nome e gênero e também os emolumentos de cartório acabam sendo entrave pra que mais pessoas travestis e transexuais consigam entrar com esse pedido de retificação. Nós estamos falando de uma parcela da população que é extremamente vulnerável, em sua maioria, que não tem condições, mal de subsistência, de arcar com as despesas básicas pra sua vida,quanto mais arcar com os custos de cartório e de certidão pra poder retificar nome e gênero. Então, por isso que se faz importante que haja o engajamento das empresas, das organizações do terceiro setor, dos próprios órgãos públicos pra tentar arcar com essas despesas ou fazer parcerias, pra que essas pessoas, especialmente aquelas que estejam em alto grau de vulnerabilidade, consigam fazer a retificação”, destacou a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB de São Paulo.
Quinelato aponta que o reconhecimento judicial dos direitos fundamentais da população trans e da comunidade LGBTQIAP+ permitiu a garantia da maioria dos mecanismos legais de proteção deste público. No entanto, ele alerta para a necessidade de uma maior contribuição dos poderes Executivo e Legislativo com políticas públicas voltadas às pessoas travestis e transexuais.
“Acredito que uma maior produção legislativa acerca de temas afetos a essa população teria o condão de maximizar a proteção e a tutela de prerrogativas fundamentais, além de estabelecer mecanismos de proteção e criar políticas públicas voltadas a reparar injustiças históricas. O Poder Judiciário tem se colocado na vanguarda quando o assunto é reconhecimento de direitos dos transexuais. Essa realidade, no entanto, não é percebida no Poder Legislativo e no Poder Executivo que ainda se mostram refratários à criação de leis e políticas públicas voltadas a essas pessoas”, finalizou Quinelato.