Prefeitura soltou nota técnica sobre como tratar crianças e adolescentes que usam a droga e governo de SP diz que os efeitos podem ser piores do que os do crack.
Antes mais restrita ao Centro da capital paulista, as drogas K – conhecidas como K2, K4, K9 e spice -, que têm como base os canabinoides sintéticos, têm se espalhado pelas ruas da cidade. A Zona Leste é o principal foco no momento.
Há 5 anos, 95% das apreensões recebidas pela Polícia Técnico-Científica do estado eram de maconha e cocaína. Agora, os sintéticos, que eram 5%, passaram a representar 15%. “Em praticamente toda grande apreensão a gente localiza também drogas sintéticas junto”, diz Alexandre Learth Soares, diretor do Núcleo de Exames de Entorpecentes do Instituto de Criminalística – Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado.
As chamadas drogas K surgiram em laboratórios no início dos anos 2000, têm como base os canabinoides sintéticos, mas o termo “maconha sintética” é errado. Nessas drogas, o canabinoide feito em laboratório se liga ao mesmo receptor do cérebro que a maconha comum, mas em uma potência até 100 vezes maior. O governo de São Paulo diz que os efeitos da droga podem ser piores do que o crack.
“É absolutamente estarrecedor. A realidade é que uma tempestade de drogas sintéticas se aproxima”, descreve o promotor Tiago Dutra Fonseca que integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de SP.
A matéria-prima para a fabricação da droga chega ao Brasil por contrabando em portos, aeroportos e fronteiras terrestres. Aqui são misturadas até com pesticida. Mas também há o contrabando local que envolve desvios com farmacêuticas. São transformadas em um líquido transparente que pode ser borrifado em qualquer coisa que seja consumida.
Desde que essas drogas passaram a ser identificadas, o MP passou a agir mais. Um caso famoso do Gaeco é o de São José do Rio Preto, no interior paulista. Uma organização criminosa se valeu do sistema prisional como um balão de ensaio inicial para essa comercialização. “Nesse momento nós identificamos que a organização criminosa tinha um setor próprio que cuidava disso”, disse o promotor.
Sintéticas não são o futuro do tráfico de drogas, são o presente que se acelera brutalmente. Um presente que atinge principalmente jovens pobres e vulneráveis.
Por que drogas sintéticas são um desafio
- Pela dificuldade de fiscalização. Os traficantes de drogas misturam em chás, por exemplo, para dificultar a identificação.
- Crianças e adolescentes andam em grupos pelas ruas das cidades e migram para vários lugares sem parar em pontos específicos, o que dificulta o rastreamento e o acolhimento.
- Pelo alto poder de dano aos usuários. São drogas com um potencial danoso estarrecedor.
- Pela probabilidade de microtraficantes espalharem essa droga de maneira difusa.
- Pela perpetuação no vício que pode levar ao cometimento de delitos para sustentá-lo.
Um guarda da região central contou que pais de vítimas mortas após usar o K4 acreditam que filhos morreram por causa do crack. Tese corroborada pela ONG que atua ao lado das crianças e dos adolescentes no Centro.
“A gente só sabe quando as famílias entram em contato ou a notícia corre entre as próprias crianças que a gente atende”, disse Vania Coutinho, coordenadora do Gente de Perto, projeto que faz parte da ONG ABBA e atua nas regiões do Centro – Praça da Sé, Pateo do Collegio, Liberdade, Avenida Paulista e arredores. “Essas crianças são invisíveis a vida inteira e depois da morte também.” Ela prefere não divulgar o número de jovens que simplesmente some.
Uma das dificuldades enfrentadas atualmente é a falta de dados sobre vítimas de drogas K. Os que circulam sem fontes oficiais não devem ser considerados e mesmo os oficiais ainda são imprecisos. Também não há um método que identifica a causa mortis de alguém pelo uso dessas drogas. A Polícia Científica está ciente e disse que vem desenvolvendo novos métodos que acompanhem a nova realidade.
O promotor Fonseca mergulha em estudos e obras sobre o tema. Destaca uma, ainda sem tradução: “La fiesta se acabó: Por qué siempre perderemos la guerra contra las drogas sintéticas”. E usa argumentos que corroboram as poucas estatísticas que existem sobre o tema. Ele teme que em pouco tempo o sistema público de saúde seja sobrecarregado por vítimas e dependentes de drogas sintéticas.
Outro desafio é o de que criminosos estão sempre tentando inovar, e laboratórios também têm que adquirir novos equipamentos para identificar essas novas substâncias. Existe uma máxima repetida pelo jornalista Ben Westhoff de que “a química está sempre um passo à frente da Justiça”.
A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que, até o momento, em 2023, foram registradas 216 notificações de casos suspeitos de intoxicação exógena por canabinoides sintéticos, o nome técnico das drogas K, mais do que o dobro registrado em 2022 _ 98 notificações. Os números de notificações são tanto da rede pública quanto da rede privada.
Diante desse aumento expressivo, a secretaria publicou no Diário Oficial (DO), na semana passada, uma nota técnica para assistência a crianças e adolescentes por intoxicações por canabinoides sintéticos.
A pasta destacou o Centro de Controle de Intoxicações de São Paulo (CCI-SP), instalado no Hospital Municipal (HM) Arthur Ribeiro de Saboya, para atender os usuários de drogas K. O CCI dispõe de um serviço à população e profissionais da saúde que fornece informações toxicológicas para o diagnóstico, tratamento e prognóstico de intoxicações, sobre a toxicidade de produtos químicos e a prevenção dos agravos à saúde causados por substâncias químicas.
Fonte: G1