Enquanto superpotências buscam nova conquista da Lua, projetos brasileiros para o espaço caem na esfera de influência tanto chinesa quanto americana
Num momento em que as duas maiores potências econômicas do mundo, os Estados Unidos e a China, travam uma corrida para exploração da Lua, o setor aeroespacial é uma área delicada para navegar. O Brasil cai na esfera de influência de ambos os países nesse campo, mas se for habilidoso pode continuar mantendo boas relações com os dois, afirmam especialistas.
Apesar de o eixo de polarização estar se desviando da Rússia para a China, as razões pelas quais o espaço interessa as nações continuam sendo as mesmas.
— Quem lidera a dinâmica de inovação tecnológica lidera também as dinâmicas militar e econômica, e no setor espacial isso é cada vez mais verdade — diz o brasileiro Pedro Belcher, estudioso da influência chinesa no setor e professor da Universidade Metodista de Angola.
Desde que os astronautas americanos da Apollo 17 retornaram da missão em 1972, humanos nunca mais pisaram solo lunar. De lá até aqui, presidentes dos EUA incluindo Ronald Reagan e Barack Obama, anunciaram intenções, mas foi só com Joe Biden que uma viagem foi efetivamente anunciada.
A missão Artemis 2, que levará quatro astronautas para órbita lunar em novembro do ano que vem, é um prólogo da volta à superfície lunar, estimada para 2026. O avanço da China, que revelou em fevereiro seu conceito de espaçonave para uma missão lunar tripulada, foi o empurrão que americanos precisavam para reavivar seus planos de retorno ao satélite natural da Terra.— Ao contrário de outras iniciativas posteriores ao programa Apollo, nas quais os planos americanos acabaram não indo adiante, desta vez acho que eles irão, porque se eles não forem, os chineses chegarão lá em algum momento — afirma o engenheiro Petrônio Noronha de Souza, que foi diretor estratégico da Agência Espacial Brasileira (AEB) entre 2012 e 2019.
Não é de agora que os chineses são tratados pelos EUA como rivais na nova corrida espacial. Já faz uma década que a China pousou sua primeira sonda na Lua. Com a Rússia absorvida pela guerra na Ucrânia, porém, a China assumiu protagonismo espacial.
Chineses e russos são, de qualquer forma, parceiros. Em 2021, anunciaram juntos intenção de construir uma base lunar, convidando outas nações a se juntarem ao esforço. A proposta é ter uma base operante por volta de 2035.É difícil antecipar o quanto Pequim e Moscou estão dispostas a investir na empreitada, mas americanos também já vêm tentando laçar aliados. Em 2020, o Departamento de Estado dos EUA propôs regras para a exploração da Lua, num tratado internacional batizado de Acordos de Ártemis.
O documento prega que os signatários se comprometam a explorar a Lua para fins pacíficos, com uso responsável de recursos e conduzindo atividades transparentes. A proposta atraiu alguns países relevantes no cenário espacial, como Japão e França, além de alguns figurantes, como o Brasil.
A adesão à proposta foi assinada em Brasília pelo senador e ex-astronauta Marcos Pontes (PL), quando era ministro do governo Bolsonaro. Ser signatário de Ártemis não garante ao Brasil participação real na exploração lunar, e críticos apontam que americanos buscam atrair parceiros sem capacidade tecnológica apenas para sustentação diplomática.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) diz esperar que a adesão permita ao Brasil participar de alguma forma em missões “tanto para a Lua quanto para Marte” e “desenvolver tecnologias no âmbito da indústria aeroespacial brasileira”.
Se o clube de Ártemis não traz vantagens palpáveis, uma aproximação com a ambição lunar lançada de russos e chineses é tida como tóxica. Qualquer estreitamento de relações com a Rússia de Vladimir Putin é complicada enquanto não houver paz na Ucrânia.
Em um programa espacial que não envolve a Lua, porém, o Brasil está prestes a reavivar uma parceria que mantém com a China (sem a Rússia) desde 1988: o programa dos Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS). O lançamento de mais duas unidades do projeto, os satélites CBERS 5 e 6, foi pauta da viagem do presidente Lula a Pequim na semana passada, e os países assinaram também um memorando para colaboração no setor espacial.
Para equilibrar acordos com China e EUA, porém, o Brasil precisa ter o cuidado de manter programas específicos separados, porque os americanos têm lei interna em vigor desde a década de 1990 que proíbe colaborações na área com os chineses.
Outra limitação que atrapalhava parcerias, porém, foi sanada. O Brasil busca atrair empresas e governos para uso da base espacial de Alcântara, no Maranhão, mas os EUA queriam uma garantia de que a propriedade intelectual da tecnologia embarcada ali estaria protegida. Em 2019, o Brasil assinou acordo de salvaguardas tecnológicas para tal.
A inserção de Alcântara no mercado espacial global, porém, ainda patina, sobretudo pela concorrência com a base espacial de Kourou, na Guiana Francesa.
Frente ambiental
Gilberto Câmara, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), defende que o Brasil deve priorizar agora a parceria com a China, rendeu mais frutos até aqui. Os satélites CBERS, por exemplo, tiveram papel relevante no país para mapear o desmatamento e outros problemas ambientais.
— A China trata o Brasil com respeito e tem uma visão de longo prazo de cooperação espacial, apesar das grandes diferenças de capacidade de investimento — diz o pesquisador. — Nos satélites CBERS, metade dos equipamentos é construída por empresas brasileiras.
Câmara lembra que no passado o programa CBERS nunca impediu o Brasil de colaborar com a Nasa também, masa parceria ocorreu mais na área científica e acadêmica.
Em 2023, o programa espacial brasileiro é menos ambicioso do que era em 2003, quando seu primeiro protótipo de foguete lançador de satélite, o VLS-1, explodiu antes de estrear. Depois da ida de Pontes à Estação Espacial Internacional, em 2006, o Brasil encerrou relação com o projeto e formação de novos astronautas. O VLM, sucessor modesto do VLS, segue cronograma lento.
Souza diz crer que o Brasil pode voltar a sonhar com parcerias mais ousadas, mas precisa seguir sua vocação.
— A presença no espaço é fundamental para a agenda ambiental, esta sim algo que diferencia o Brasil de outras nações — afirma, lembrando que EUA e China podem ajudar.
Com o CBERS 6, o MCTI afirma que vai ampliar sua capacidade de monitorar “queimadas, recursos hídricos, áreas agrícolas, crescimento urbano, ocupação do solo e desastres naturais”. Os EUA não propõem nada novo com parceria para a área, mas mantém influência, pois satélites da Nasa como o Terra, o Aqua e as unidades da série Landsat, têm ajudado muito a vigiar a Amazônia.