De acordo com o CNJ, mais de 300 crianças estão disponíveis para adoção em sete cidades da região. Dados mostram ainda que, de 2019 a 2022, apenas 78 foram adotadas.
Até maio de 2023, 77 crianças e adolescentes estavam em processo de adoção nas cidades do Alto Tietê. Ao mesmo tempo, 304 seguiam acolhidas nos abrigos da região à espera de integrar uma nova família.
Se comparado ao total de menores adotados nos últimos anos, a diferença entre os números também surpreende. De janeiro de 2019 a dezembro de 2022, apenas 78 concluíram o processo, considerando sete cidades.
Os dados, que fazem parte do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, foram enviados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O balanço nacional evidencia outras faces do problema. No quinto mês do ano, o número de crianças disponíveis para adoção girava em torno de 4,3 mil. Por outro lado, quase 34 mil pretendentes aguardavam na fila por uma que atendesse aos seus requisitos
No Alto Tietê, três cidades vivem um cenário parecido e têm mais pessoas interessadas em adotar do que menores. O índice mais alto é em Mogi das Cruzes, com 127 adotantes para 87 crianças. Em seguida estão Suzano, com 71 para 57, e Santa Isabel, com 15 para 14.
Em outras quatro cidades, a situação é oposta: há mais crianças esperando pela adoção do que pretendentes. Em Ferraz de Vasconcelos, a diferença é de 9 pretendentes para 69 aptos à adoção, enquanto Itaquaquecetuba tem 12 para 31.
Na sequência estão os municípios de Arujá, onde o número de crianças disponíveis chega ao dobro de interessados, com 17 para 34, e Guararema, com 8 para 12. Não há dados dos municípios de Biritiba Mirim, Poá e Salesópolis, porque nem todos têm Vara da Infância.
Crianças disponíveis x requisitos dos adotantes
A advogada Sandra Vilela, especialista em direito de família, afirma que esse cenário expressa alguns dos maiores desafios para a adoção no Brasil. A disparidade entre a quantidade crianças disponíveis e o número de interessados chama a atenção, mas, infelizmente, é comum. Para ela, uma das justificativas está ligada às expectativas criadas pelos adotantes em relação ao perfil disponível.
“[Na maioria das vezes] a idade das crianças que estão disponíveis para adoção é diferente daquilo que os casais querem. Os casais precisam se conscientizar que eles vão conseguir amar, conseguir educar, criar e ter uma relação de pai e filho mesmo com crianças maiores”, comenta a especialista.
Na região Sudeste do país, 2.018 crianças estavam disponíveis para adoção até terça-feira (23). Do total, 52% eram declaradas pardas. Ainda de acordo com dados do Serviço Nacional de Adoção, 55,2% eram do sexo masculino, sendo que a maioria tinha de 14 a 16 anos – a faixa dos 2 a 4 anos era a menor. Do total, mais de 300 tinham alguma deficiência, física ou intelectual.
Já com relação ao perfil buscado pelos adotantes, mais da metade indicou o interesse por crianças brancas na faixa dos 2 aos 4 anos. Embora quase 70% não tenham informado um gênero específico, 25% disseram que queriam adotar uma menina – somente 7% adotariam meninos. Além disso, 94,5% apontaram a preferência por crianças sem deficiência.
“A pessoa, quando pensa em adotar, quer uma criança de até 2 anos de idade, menina… Essa não é a realidade das crianças que estão disponíveis para adoção. É grupo de irmãos, crianças maiores, acima de 7, 8, 10 anos de idade. [Às vezes] as famílias interessadas em adoção não aceitam adotar crianças com essas características”, completa Sandra.
Sandra afirma que quanto mais restrito o perfil esperado pelos candidatos, mais longa deve ser a espera. Destaca que boa parte das crianças disponíveis têm irmãos, que também podem estar em busca de uma nova família. Nestes casos, é comum que o judiciário priorize quem está disposto a adotar todos.
Além disso, a advogada faz um alerta: é preciso que a fila seja respeitada e que os pretendentes não tentem adotar de forma ilegal. “Tem pessoas que ainda acham que é possível fazer uma adoção em que a mãe vai dar à luz e entrega a criança. Isso não pode, isso é impossível”.
De acordo com a legislação brasileira, mulheres que não querem ficar com seus bebês podem encaminhá-los para o conselho tutelar. No entanto, não é permitido escolher a família que receberá a criança. A medida tem o objetivo de evitar casos de tráfico de pessoas.
Demora no processo
A pandemia da Covid-19 tornou mais demorada a espera pela adoção, aponta a especialista. Sem a possibilidade de realizar algumas etapas essenciais, como as avaliações sociais, psicológicas e o curso de adoção, os processos se acumularam.
“O curso de adoção é uma etapa que a pessoa precisa fazer para depois começar o processo. Acontece que, eu não sei em outros fóruns, mas no de Santo Amaro o curso está demorando um ano para ser realizado”, comenta. “O que eu aconselhei dois clientes a fazer, é de entrar com o processo pedindo que possa iniciar sem o curso de adoção ou que autorize a fazer em outra localidade”.
Outro problema está ligado ao próprio judiciário, que nem sempre tem a estrutura necessária para agilizar os pedidos. “O processo de cadastro hoje está demorando, porque não tem profissional suficiente para atender. E aí a gente tem aquela questão de que, antes da pandemia, tinha fórum que fazia a coisa mais rápida e tinha fórum que fazia mais demorada”.
Como adotar
O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua residência. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
De acordo com o CNJ, nas comarcas em que o novo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento tenha sido implementado, é possível realizar um pré-cadastro com a qualificação completa, dados familiares e perfil da criança ou do adolescente desejado.